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Sonhos - da pandemia à Woodstock

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Honestamente, meus amigos? Sim, eu adoraria mudar de assunto. Confesso até que daria metade da unha do dedo mínimo da mão esquerda para sair da rotina monotemática que nos aflige há mais de ano por absoluta necessidade de que manifestemos nossa inconformidade, nossa dor, nossa tristeza e, às vezes, nosso desalento com o tratamento dispensado à pandemia e seus funestos efeitos em nosso país, por parte de quem deveria assumir, desde o início, a coordenação de políticas públicas e de ações efetivas de combate à moderna praga que, há tanto tempo, testa nossa resiliência e nossa capacidade de entendimento das verdades que subjazem dessas ações e omissões.

Por outro lado, revezes - que nos machucam e criam calos anímicos - à parte, parece-me também que temos desaproveitado as lições dessa tragédia de feições quase apocalípticas. Infelizmente, a sensação que tenho é a de que, tão logo consigamos vencer a guerra contra a Covid-19, o mundo voltará à gandaia mercantilista que separa com fossos intransponíveis ricos e pobres e coloca o capital como essência de tudo, como matéria fundamental da vida.

E continuaremos, nessa desenfreada busca pela riqueza material, a saquear o planeta, a vilipendiar a natureza e a sufocar a nascitura esperança de transformação dessa realidade. Realidade que fez surgir entre nós essa devastadora variação do coronavírus e que, adiante, fará surgir, não tenham dúvidas, outras tantas funestas manifestações virais de abrangência planetária.

E, tão grave quanto isso, continuaremos, olhos postos nos próprios umbigos, a fazer de quem está "abaixo" nós escada para nossa ascensão a patamares sociais mais elevados. E não corrigiremos as distorções que nos desigualam e impedem que todos tenham iguais oportunidades. E acharemos isso normal, porque sempre foi assim.

Empatia, alteridade e compaixão continuarão sendo apenas palavras bonitas que, eventualmente, enfeitarão discursos vazios de intenções transformadoras, enquanto enchemos nossos bolsos e legamos as sobras de nossa fartura aos miseráveis que escarafuncham o lixo na ânsia de um dia a mais que seja de sobrevivência para os filhos, que nascem às pencas nos casebres de tudo desassistidos das periferias de nossas metrópoles.

Eu queria acreditar - e, confesso, acreditei no início - que a pandemia, com seu cortejo de dores e sofrimentos, nos faria mudar, que nos transformaria em seres humanos e em nações melhores do que somos, mais abertos à fraternidade e ao entendimento e mais disponíveis para o amor e para a paz.

Alguém dirá que estou sofrendo de delírios ripongas, resquícios, quem sabe, de Woodstock. Talvez isso tenha algo de verdadeiro, porque é impossível esquecer que aqueles cabeludos malucos de 1969 conseguiram acabar com uma guerra e mudar o mundo, agregando à vida valores mais afeitos ao espírito e desapegados do que é puramente material. Pena que eles, adiante, tenham sucumbido ao tilintar do vil metal.

De qualquer sorte, percebo que minha esperança não quer desistir. Talvez pela primeira dose da vacina que tomei. Não sei, quem sabe?

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